O que será que se passava na cabeça do rapaz da foto? Oito anos de idade... Eu me lembro desse dia, do dia não, da hora em que me sentei para tirar a foto. Pela expressão séria, parece que gostei de ser fotografado. Por trás da seriedade, um sorriso indecifrável. Não sei por que as professoras me escolhiam para recitar poesias nas festas da escola. Um dia me puseram no palco e eu cantei O Calhambeque. Lembro que estava nervoso como qualquer ator experiente também estaria. O colégio inteiro olhando para mim... Inclusive uma menina, linda e loira, bem mais alta do que eu. Me lembro disso, daquela menina que me encantava, olhando para mim pela primeira vez... UAU! Sensação transcendental. O palco dá medo, mas é bom.

 Vamos dar um pulo para frente no tempo, um pulo para 1º de janeiro de 1981, em Salvador — Bahia. Procissão de Bom Jesus dos Navegantes. No primeiro plano, à esquerda e de barba, o glauberiano Maurício do Valle. No centro, de camiseta e calção brancos, rangando um salgadinho e tomando uma cerva, eu mesmo; à direita, Nancy Wanderley. Parece diversão, e é! O que estou querendo dizer é que nós estávamos trabalhando — essa é uma cena da novela Rosa Baiana, uma das muitas que fiz na TV Bandeirantes-SP — mas, pelo astral da Bahia e da foto, é impossível não estar se divertindo.

Bem, como diria Belchior... "se você vier me perguntar por onde andei" entre a foto do colégio e essa no mar da Bahia, eu lhe direi: "Amigo, eu não me desesperava". Um capricorniano não se desespera, trabalha; e eu sempre gostei de trabalhar, desde garoto. Não sou chegado a ditados, but... "O trabalho dignifica o homem". Eu sei que esse é velho, mas é verdadeiro.

 Acho que comecei vendendo camiseta Hering tingida com tinta Guarany, lembra? Aquelas camisetas brancas que a gente amarrava com barbante e tingia. Surgiam desenhos de teias de aranha quando o barbante era cortado... Depois office-boy, vendedor de livros... É emocionante ser vendedor, uma aventura a cada dia. O vendedor, assim como o ator, tem que conquistar o público. Aliás, como já disse alguém um dia, na "vida real" todos somos atores, mesmo os que não o são profissionalmente.

 Vamos voltar para 68, 69... Eu tinha então 12, 13 anos...

Foi quando apareceu Beto Rockefeller. Todo mundo amava o Beto, inclusive eu. Beto Rockefeller foi o personagem criado por Cassiano Gabus Mendes (autor) e Luis Gustavo (foto), o ator que protagonizava a novela de mesmo nome, escrita pelo sensacional Bráulio Pedroso e dirigida genialmente por Lima Duarte. No elenco nada mais nada menos que Plínio Marcos, magistral, Débora Duarte, uma deusa, Marília Pêra, um escândalo, Maria Della Costa, uma rainha, Rodrigo Santiago, um príncipe, e Bete Mendes, um tudo. Beto Rockefeller foi o primeiro anti-herói da TV brasileira na novela mais "cool" de todos os tempos...

 Quatro anos mais tarde, quando li em revistas que tivera início, em Roma, as gravações de A Volta de Beto Rockefeller, pensei: "Não posso ficar fora dessa".

 Eu começava a pensar em, algum dia... talvez... me tornar ator, mas não queria começar nas salas de aula, às voltas com teorias, ensaios e montagens de peças; queria descobrir a "vida real" do ator por trás da tela, desvendar aquele mundo misterioso que me atraía, e o trabalho daquele ator que eu considerava tão brilhante e original. Só assim eu poderia ir, pouco a pouco, clareando aquelas idéias que começavam a fluir de dentro de mim e descobrir se, verdadeiramente, queria ser ator... ou não...

 Eu desejava trabalhar ao lado de Luis Gustavo, como uma espécie de... sei lá... secretário? Office-boy eu já tinha sido e entre office-boy e actor-boy não deveria existir um abismo intransponível, é ou não é? Quem sabe? Sei lá, eu também não sabia, mas foi pensando nessa possibilidade que escrevi uma carta ingênua e juvenil, quilométrica por sinal, contando quem eu era e o que eu queria. Uma carta como tantas outras já escritas por fãs para seus ídolos. Ao enviá-la, dizendo que queria ser ator e pedindo sua ajuda, tive a mesma impetuosidade que um número incontável de jovens já tiveram e terão. Eu mesmo, anos depois, quando já era conhecido, recebi algumas de semelhante teor. Porém, atores e artistas, de maneira geral, não podem atender concretamente a toda sorte de solicitações que lhes chegam às mãos. Penso que um número bastante expressivo de celebridades mantêm algum tipo de comunicação com seus fãs, mas atender a um fã que diz: "Hei, você é o máximo; portanto, que tal me ensinar a ser ator?" Que piada, parece novela, só mesmo eu para achar que isso daria certo.

 Naquela época eu freqüentava a galeria Ouro Fino, na rua Augusta, e o Luis Gustavo (foto) passava sempre por lá. "Sempre" quando eu não estava. Mas, para falar a verdade, eu não queria me encontrar com ele; isso poderia ser muito frustrante. Com certeza ficaria muito nervoso se a oportunidade aparecesse. Por isso, era melhor uma carta! Quando o encontrasse pessoalmente, não precisaria falar muita coisa; era só dizer: "E aí, beleza? Eu sou o cara da carta". Assim talvez ele nem percebesse que eu estaria tremendo. Não foi difícil descobrir o endereço, muita gente sabia que ele morava perto da rua Augusta. Deixei a carta na portaria do prédio, planejando aparecer alguns dias depois, quando ele provavelmente já a teria lido...

 Como foi nosso encontro? Cena de cinema. Ou talvez de teatro, já que era a "vida real" e não ficou registrada em película ou vídeo. Um dia desses nos encontramos em São Paulo para uma gravação do Vídeo-Show e comemos juntos uma pizza. Ao relembrar o passado, ele me disse que naquela manhã de março de 73, quando me apresentei apertando sua mão, a minha estava gelada e trêmula. Eu não disse?

 O fato é que ele é um generoso aquariano (e, portanto, mil vezes mais maluco do que eu) que foi com a minha cara e ficou a fim de me dar uma força. Sugeriu que eu me tornasse uma espécie de... secretário! Assim eu poderia começar a conviver com os bastidores da televisão. Por incrível que pareça, meu ingênuo plano de adolescente tinha dado certo: fui contratado imediatamente e durante um ano trabalhei em A Volta de Beto Rockefeller, aprendendo como se faz para ser ator. Como se faz? Ah, essa é uma longa história, eu continuo aprendendo até hoje.

 Se existe destino, sorte, acaso, coincidências, sincronicidades!? Quem sou eu para responder? A qualquer um que queira tornar-se ator nos dias de hoje, eu aconselharia procurar os melhores e mais confiáveis cursos e professores; porém, o mundo anda muito louco...

 Depois disso consegui, através do próprio Luis Gustavo, meu primeiro papel em As Divinas e Maravilhosas, novela de Vicente Sesso, dirigida por Oswaldo Loureiro. No elenco, um dos maiores atores de todos os tempos: Procópio Ferreira, e ainda Nathália Timberg, Nicete Bruno e Bete Mendes, as divinas e maravilhosas do título. Embora eu já contasse com uma "vaga" desenvoltura para contracenar com os experientes atores da novela, por dentro me sentia pessimamente desconfortável ou... desconfortavelmente péssimo! Como queiram.

 Lembro que depois de gravar minha primeira cena, em que conversava ao telefone, fiquei totalmente frustrado. Saí do estúdio aturdido e caminhei até a rua me sentindo vazio e decepcionado. Eu não era um ator. Flávio Galvão, por quem tenho grande afeição até hoje, apareceu do nada e carinhosamente me disse: "Saiu legal, não fica assim não. Você sempre vai achar que poderia ter feito melhor..." Antes de desistir temporariamente da recém-iniciada profissão, participei da montagem de Um Bonde chamado Desejo, peça de Tennessee Williams, com o grupo de teatro amador do Club Athletico Paulistano. Eu fazia o papel do jovem-coletor, seduzido por Blanche Du Bois. Apesar de ser um espetáculo amador, recebeu uma crítica-homenagem de Sábato Magaldi, pois o diretor Fredi Kleemann, também conhecido ator e fotógrafo, faleceu alguns dias após a estréia. Em seu texto, o respeitado crítico teatral elogiava a cena da qual eu participara. Aliviado e feliz, guardei o jornal como um troféu, mas resolvi dar prioridade a sonhos mais arrebatadores naquele momento. Quais? Motocicletas, por exemplo; eu andava tarado por uma. Com os poucos cachês que conseguia receber, era impossível sonhar com isso. Foi pensando assim que, aos 19 anos, fui trabalhar como relações públicas do Banco Mercantil de São Paulo, permanecendo nesse ramo por quase quatro anos. Recebi várias promoções, comprei moto, carro, acumulei experiências e fiz amigos que conservo até hoje, mas aos 23 anos estava achando o mundo dos negócios monótono e paradão. Durante os anos em que trabalhei no banco, não me afastei dos amigos que havia feito na televisão; continuava mantendo contato com atores e freqüentava as aulas do curso de teatro Macunaíma, na Casa Mário de Andrade, ministrado por Sylvio Zilber. Talvez devido a esses fatores, no final de 79 recebi um convite para trabalhar em Cara a Cara, a primeira trama da TV Bandeirantes, que começava a produzir novelas. Adeus Avenida Paulista!

 Permaneci durante cinco anos na TV Bandeirantes de São Paulo, onde fiz diversas novelas antes de ir para o Rio de Janeiro, como veremos a seguir.

<< voltar TV Bandeirantes - 1980-1984 >>